Considere um fluido incompressível, de massa específica \rho, que escoa em regime permanente com velocidade uniforme v em um trecho de duto consistindo de uma curva a 90º, no plano horizontal, tendo uma extremidade rigidamente flangeada e outra acoplada a uma junta de expansão (veja Figura 2). Deseja-se determinar os esforços presentes no flange, admitindo desconsideráveis os esforços na junta de expansão e o peso do fluido em face das outras forças envolvidas.

Figura 1

Escoamento em um duto com curva de 90°

Agora vamos fazer uma análise de um fluido incompressível escoando em regime permanente através de duto com uma curva de 90°, considerando efeitos hidrodinâmicos, térmicos e estruturais. O sistema consiste em um duto horizontal com flange rígido na entrada e junta de expansão na saída.

Figura 2

1. Definição do Problema

  • Fluido incompressível: Massa específica \rho=constante em regime isotérmico.

  • Regime permanente: As propriedades do escoamento não variam no tempo.

  • Velocidade uniforme v: A velocidade é a mesma na entrada e na saída (assumindo área transversal constante).

  • Plano horizontal: Forças gravitacionais são desprezíveis.

  • Junta de expansão: Não transmite esforços (livre para se mover).

  • Flange rígido: Transmite todos os esforços para a estrutura.

2. Equações

2.1. Conservação da Massa:

(1)   \begin{equation*}\int \rho \vec{v} d \vec{A} = \rho A (\vec{v_e} - \vec{v_s}) = 0\end{equation*}

2.2. Conservação da Quantidade de Movimento Linear:

A equação integral da conservação da quantidade de movimento para um volume de controle (VC) fixo é:

(2)   \begin{equation*}\sum \vec{F} = \int_{VC} \rho \vec{v} (\vec{v} \cdot \vec{n}) d \vec{A} = \dot{m}(\vec{v_e} - \vec{v_s})\end{equation*}

Onde:

\sum \vec{F}: Forças externas atuando no VC (pressão e reação no flange).
\vec{F}: Vetor velocidade.
\vec{n}: Vetor normal à superfície de controle (apontando para fora).
\dot{m}=\rho v A: Vazão mássica
\vec{v_e} ​= v_e \hat{i} e \vec{v_s} ​= v_s \hat{j}: Velocidades na entrada e saída.

A força exercida pelo fluido no duto (ação) é: 

\vec{R}_{flange} = \dot{m}(\vec{v_e} - \vec{v_s}) + (p_e ​A \hat{i} + p_s ​A \hat{j})

Se p_e=p_s=p e v_e = v_s = v

\vec{R}_{flange} = \rho v A(v\hat{i} - v\hat{j}) + (pA \hat{i} + p​A \hat{j})

\vec{R}_{flange} = \rho v^2 A(\hat{i} - \hat{j}) + pA(\hat{i} + \hat{j})

A força resultante no flange é:

    \[\boxed{\vec{R}_{flange} = - (\rho v^2 + p ) A (\hat{i} + \hat{j})}\]

2.3. Caso com Variação de Área ou Velocidade

Se a área da seção transversal mudar (A_e \ne A_s​), a velocidade também muda (v_e A_e=v_s A_s), por continuidade). A equação de Bernoulli pode ser usada para relacionar pressões:

(3)   \begin{equation*}p_e + \frac{1}{2+}\rho {v_e}^2 =p_s + \frac{1}{2+}\rho {v_s}^2 +\Delta_{perdas​}\end{equation*}

Onde \Delta p_{perdas​} são perdas por atrito e turbulência.

Forças resultantes atualizadas:

R_x = \rho {v_e}^2 A_e −p_e A_e

R_y=\rho {v_s}^2 A_s −p_s A_s

Aplicação Prática: Dimensionamento do Flange
Para garantir a resistência do flange, um engenheiro deve considerar:

Força estática máxima:

R_{max} = \rho v^2 A + p A    (considerando pressão e velocidade máximas operacionais).

1. Fator de segurança: Multiplicar R_{max}​ por um coeficiente.
2. Material e parafusos: O flange deve ser fabricado com material resistente (aço carbono, aço inox) e os parafusos devem ser dimensionados para suportar a carga.
3. Vibrações e fadiga: Se o escoamento for pulsante, deve-se avaliar efeitos dinâmicos.

 

3. Conservação do Momento Angular

3.1. Momento Torsor (Torque) no Flange

Além da força resultante, a curva pode induzir um momento torsor no flange devido à distribuição assimétrica de pressões e velocidades. 

A equação integral para o momento angular é:

(4)   \begin{equation*}\sum \vec{M}_{ext} = \int \rho (\vec{r} \times\vec{v})(\vec{v}\cdot d \vec{A})\end{equation*}

  • Para uma curva simétrica e flange rígido:

Como o escoamento é simétrico e o flange está rigidamente fixado, o torque líquido no flange é zero em condições ideais. Porém, em situações reais (escoamento turbulento, assimetrias), pode haver um pequeno torque residual.

Entrada: Momento angular -\rhorv^2A \hat{k}.
Saída: Momento angular +\rho r v^2 A \hat{k}.

Assim:

(5)   \begin{equation*}\sum \vec{M}_ext = \int \rho (\vec{r} \times\vec{v})(\vec{v}\cdot d \vec{A} = 0\end{equation*}

    \[\boxed{\vec{T} = 0}\]

  • Com assimetria (ex.: junta excêntrica em z):

O torque \vec{T} em relação ao centro da curva é dado por:

(6)   \begin{equation*}\vec{T} = \vec{r_e}\vec{F_e} \times \vec{r_s}\vec{F_s}\end{equation*}

​Onde:

 \vec{r_e} e \vec{r_e}​ são vetores posição dos pontos de aplicação das forças.
\vec{F_s}​ e \vec{F_s} são as forças de pressão e quantidade de movimento nas seções de entrada e saída.

Torque no flange:

    \[\boxed{\vec{T}= - (\rho v^2 + p) r A \hat{k}}\]

onde ré a distância do centro de curvatura ao ponto de aplicação da força.

4. Ajustes para Cenários Reais

Perdas por Atrito e Queda de Pressão

Em sistemas reais, o atrito entre o fluido e as paredes do duto causa perdas de energia, levando a uma queda de pressão (\Delta p). Isso pode ser modelado pela equação de Darcy-Weisbach ou por correlações empíricas.

Equação de Darcy-Weisbach:

(7)   \begin{equation*} \Delta p = f \frac{L}{D} \frac{\rho v^2}{2} \end{equation*}

Onde:

f: Fator de atrito (depende do regime de escoamento e rugosidade da parede).
L: Comprimento da curva ou trecho analisado.
D: Diâmetro hidráulico do duto.

Impacto no modelo:

A pressão na saída (p_s​) será menor que na entrada (p_e​):

p_s = p_e - \Delta p

A força resultante no flange deve incluir essa diferença:

    \[\boxed{\vec{F}_{flange} = -[(\rho v^2+p_e)A \hat{i} +(\rho v^2+p_s)A \hat{j}]}\]

Distribuição Não Uniforme de Pressão

Em curvas reais, a pressão não é constante ao longo da seção transversal devido a efeitos centrífugos:

Parede externa: Pressão mais alta.
Parede interna: Pressão mais baixa (efeito de sucção).

Modelo para Pressão Assimétrica:
A pressão pode ser aproximada por uma distribuição parabólica:

(8)   \begin{equation*} p (\theta)=p_{avg} + \Delta p_{max} cos (2 \theta) \end{equation*}

Onde:

\theta: Ângulo ao longo da curva (0° a 90°).

\Delta p_{max​}: Diferença máxima de pressão (empiricamente determinada).

A força de pressão agora requer uma integração angular:

(9)   \begin{equation*}\vec{F}_p=\int_{0}^{\pi/2} p (\theta) \cdot \vec{n} (\theta) r d\theta\end{equation*}

Isso pode introduzir torques adicionais se a distribuição não for simétrica.

Turbulência e Vórtices

– Escoamentos reais em curvas geram vórtices secundários e turbulência, que:

– Aumentam as perdas de energia.Podem causar vibrações no duto e no flange.

Modelagem via Número de Reynolds (Re):

(10)   \begin{equation*} Re=\frac{\rho v D}{\mu} \end{equation*}

Se Re> 4000 escoamento é turbulento, e o fator de atrito f deve ser ajustado (usando, por exemplo, o diagrama de Moody).

Variação de Área ou Velocidade

Se o duto tem áreas diferentes na entrada (A_e) e saída (A_s​), a velocidade muda (v_e A_e = v_s A_s), afetando o balanço de momento.

  1. Conservação da massa com áreas diferentes: 

    v_s= v_e \frac{A_e}{A_s}

  2. Força no flange:

    Conservação da massa com áreas diferentes: v_2 = v_1 \frac{A1}{A2}

    Força resultante atualizada:

    (11)   \begin{equation*} \vec{F} = -[(\rho {v_1}^2 + p_1)A_1 \hat{i} + (\rho {v_2}^2 + p_2)A_2 \hat{j}] \end{equation*}

Efeitos Dinâmicos Transiente

Em cenários como fechamento de válvulas ou partida do sistema, forças adicionais surgem devido a acelerações do fluido.

Equação de Momentum Transiente:

(12)   \begin{equation*} \vec{F}_{inercia} = \rho L A \frac{\vec{F}}{dt} \end{equation*}

: Comprimento característico do duto.

\frac{dv}{dt}: Aceleração do fluido.

Variação das Propriedades do Fluido com a Temperatura

Para líquidos (ex.: água, óleo) e gases (ex.: ar, vapor), \rho e \mu dependem da temperatura (T):

  • Líquidos:

\rho (T)= \rho_0[1 - \beta(T - T_0)],   \mu(T) \propto e^{-k(T - T_0)}

(\beta = coeficiente de expansão térmica, k = constante empírica).

  • Gases (lei dos gases ideais):

(13)   \begin{equation*} \rho(T)=\frac{p}{RT} \end{equation*}

\mu (T) \propto T^{0.7}

Dilatação Térmica do Duto

O material do duto (aço, PVC, etc.) expande-se com a temperatura:

(14)   \begin{equation*} \Delta L=\alpha L \Delta T \end{equation*}

 = coeficiente de dilatação térmica.

Critério de falha:

Tensão térmica:

\sigma_{termico} = E \alpha \Delta T

Se \sigma_{termico} > \sigma_{adm}​, há risco de trincas ou vazamentos.

Convecção Natural

Número de Grashof:

(15)   \begin{equation*} Gr = \frac{g\beta \Delta T L^3}{\nu} \end{equation*}

Força e Torque com Efeitos Térmicos

Força no flange:

(16)   \begin{equation*} \vec{F} = -[(\rho(T) v^2 + p(T))A](\hat{i}+ \hat{j)} \end{equation*}

Torque térmico:

(17)   \begin{equation*} \vec{T}_{termico} = \int r \times (\alpha E \Delta T)dA \end{equation*}

Recomendações para Projeto

Para escoamento:

Use CFD para simular distribuição de pressão e turbulência.

Adote um fator de segurança de 20-50 % nas forças calculadas.

Para efeitos térmicos:

Materiais com baixo \alpha (ex.: aço inox).

Juntas de expansão termicamente isoladas.

Para transientes:

Amortecedores de pressão para golpes de aríete.

Equações-Chave Resumidas:

Fenômeno Equação
Força no flange \vec{F} = - (\rho v^2 + p) A (\hat{i} + \hat{j})
Torque \vec{T} =- (\rho v^2 + p) r A \hat{k}
Perda de pressão \Delta p=f \frac{L}{D} \frac{\rho v^2}{2}
Dilatação térmica \Delta L = \alpha L \Delta T
Tensão térmica \sigma = E \alpha \Delta T

Este modelo integrado permite dimensionar sistemas reais com segurança, considerando desde escoamento ideal até efeitos térmicos e estruturais complexos.

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